Uma gente generosa diz por aí que eu sou o maior jogador da história do America. Eu digo
que não. Com modestos 1,63m de altura, é provável que na verdade eu seja o menor. Mas
compensava a limitação deste atributo com intenso treinamento de impulsão, que resultou
emmuitos gols de cabeça. Dizem que sou um carismático contador de histórias. Portanto,
hei de contar também a minha para a Intendente. Nasci aqui bem perto, em Quintino, no
subúrbio carioca, em 1947, e cresci em um endereço que se tornou um ponto de referência
do bairro. O futebol me eternizou como camisa 10 da grande paixão de minha vida, o
America, mas foi no número sete da Rua Lucinda Barbosa onde tudo começou.
Meu querido Zeca, que vocês conhecem como Antunes, foi a grande inspiração para uma
família de boleiros, que inclui um certo Galinho. Aprendeu muito com os mais velhos, em
quem se inspirou na técnica e na dedicação. Antunes era o primogênito da prole e abriu
caminho para que os demais desfilassem um talento original, que parecia genético: Nando,
Zico e eu. Doce ironia: aqueles que cresceram ouvindo que futebol não era profissão,
recomendados a buscar um “trabalho de verdade”, formaram uma das mais relevantes
famílias de jogadores no futebol mundial.
Cheguei menino ao America, em 1964, ainda mais franzino do que a imaginação é capaz de
projetar. O clube tinha uma base forte, que formava grandes jogadores. Cheguei trazendo
uma bagagem de sonhos alimentados pela família no Juventude Quintino, o que me ajudou
muito. Tive uma ascensão meteórica. Em 15 dias, atravessei quatro categorias, do
infanto-juvenil ao profissional, onde fui requisitado pelo treinador Wilson Santos, ex-zagueiro
do tempo em que nosso clube conquistava a primeira estrela da Guanabara.
Ao longo de uma intensa trajetória, com 211 gols marcados, fui reconhecido como o maior
artilheiro da história do America. Acumulei troféus, como o Torneio Internacional Negrão de
Lima, em 1967, a Taça TAP contra o poderoso Benfica de Eusébio, em 1973, e a
inesquecível Taça Guanabara de 1974. Em uma era em que havia craques em profusão no
futebol brasileiro e cada clube contava com pelo menos dois deles.
Tive também conquistas simbólicas. Aquelas com imenso valor afetivo, que valem mais do
que taças ou dinheiro. Ainda que por pouco tempo, o America me deu o privilégio de atuar
ao lado de dois irmãos meus, em uma linha que até hoje boa parte da torcida americana
não é capaz de esquecer. Foi em 1967, quando pude trabalhar com Antunes e Nando.
Há quem chame de infidelidade, eu prefiro classificar como bigamia. Mas preciso confessar:
tenho paixão por uma outra camisa que também atravessou minha carreira. Ela é bem
amarelinha. Em 1967, pela seleção, conquistei a Copa Rio Branco. Em 1969, fui artilheiro
isolado do Torneio Roberto Gomes Pedrosa, pelo America, e acabei eleito o melhor jogador
do continente. O feito, no ano seguinte, me colocou na lista dos 40 pré-selecionados para a
Copa de 1970. Estive perto de me tornar uma das Feras do Saldanha. Mas, no fim, nenhum
de nós dois foi para o México. Crônicas da bola e da política.
Como jogador, atuei ainda em outros clubes grandes, com camisas pesadas. Joguei por
Vasco, Flamengo, Bahia, Colorado-PR, Joinville e Brasília, antes de encerrar carreira no
Campo Grande, o Galo da Zona Oeste. Como atleta, fui campeão baiano (1976) e
catarinense (1978).
Graças às bênçãos do bom São Jorge, padroeiro de meu América e da América Samba e
Paixão, que me protege e me perdoa desde criança com sua igreja aqui em Quintino, minha
história e a da seleção voltariam a se cruzar após pendurar as chuteiras. Comecei como
treinador no América, onde conquistei a primeira Taça Rio da história, em 1982. Após uma
experiência de sucesso no Vasco, onde promovi a estreia do ainda jovem americano
Romário no time profissional, fui honrado, em 1984, com o convite do doutor Giulite
Coutinho para dirigir a mais importante seleção do planeta em amistosos contra três
campeões mundiais.
De volta ao ambiente de clubes, conquistei mais troféus. Pelo Joinville, tornei-me campeão
catarinense também como treinador, em 1987. Dois anos depois, campeão paranaense com
o Coritiba e, em 1990, venci o Campeonato Carioca com o Botafogo.
A bola me fez girar o mundo. Como treinador ou assistente-técnico, trabalhei em países
com diferentes culturas, como Iraque (seleção), Equador (Barcelona de Guayaquil), Peru
(Sport Boys), México (Veracruz), Japão (Kashima Anthlers e seleção), Turquia
(Fenerbahçe), Uzbequistão (Bunyodkor), Rússia (CSKA Moscou) e Grécia (Olympiakos).
Todas foram experiências enriquecedoras, mas tenho uma favorita. A verdade é que
rapidamente eu me apaixonei pela Terra do Sol Nascente e pelas oportunidades que
oferece ela o progresso no esporte. Por onde passei, representei sempre o melhor
estandarte da civilização brasileira: o futebol.
Umadas maiores deferências que recebi foi a eternização no Hall da Fama do principal
palco da história do futebol mundial, uma espécie de imortalidade esportiva. No Maracanã,
estou ao lado de Pelé, de meu irmão Zico e de tantos outros craques do esporte ao qual
dediquei toda a minha vida. Inspiração, motivação e saudade. Dizem que sou um homem
de sorte. Pode ter certeza que sou, mas sempre tive muito compromisso. A uma torcida
conhecida por pedir sangue, ofereci sempre o coração. Esse sou eu, Eduardo Antunes
Coimbra. Ou, simplesmente, Edu
SINOPSE: STÉFANO SALLES
ENREDO: SIMPLESMENTE EDU